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Liberdade de expressão na era dos blogs


Fonte: Blog do Castanha e Aqui Noticias PE

Processos por danos morais contra blogueiros levantam a questão de qual o limite para expressar a opinião na internet

Texto: Verônica Mambrini

Quando surgiram, os blogs eram vistos apenas como diários online, um espaço inofensivo no qual as pessoas faziam relatos do cotidiano, desabafavam e compartilhavam experiências.

Com a popularização da internet e a maior eficiência dos mecanismos de busca como o Google, comentários que antes ficariam restritos ao círculo de amizades do blogueiro passaram a ganhar outra dimensão. É comum que no resultado de uma busca apareçam posts de blogs mencionando uma empresa ou marca antes mesmo do link para o site oficial.

Diante dessa exposição, muitos dos que se sentem ofendidos por relatos ou opiniões expressas no vasto território da internet estão querendo reparação judicial. E aí colocam-se questões importantes: até que ponto vai o direito à liberdade de expressão? Um blogueiro pode ser processado por um comentário anônimo feito a um texto seu? Uma crítica a um serviço prestado pode ser motivo para uma ação por danos morais?

Esta é a situação com a qual a tradutora Cláudia Mello, 44 anos, se deparou inesperadamente. Em novembro de 2006, ela publicou em seu blog o relato de uma consulta médica pela qual passou. Depois de um ano e quatro meses, foi informada de que estava sendo processada pelo médico por danos morais. Segundo ela, não houve nenhum contato prévio dele, apesar de o blog ter espaço para comentários e de a ficha com seus dados de paciente ter sido anexada ao processo.

Na audiência conciliatória, não houve acordo. “Não achei que estava errada em criticar o atendimento”, diz Cláudia. “Não se considerou a contribuição informativa e preventiva dos fatos narrados por mim.” Na sentença, prevaleceu a tese de que a crítica ao atendimento do médico feita na blogosfera não foi construtiva e por isso ela foi condenada a pagar R$ 2 mil por danos morais.

Casos assim devem se tornar cada vez mais comuns. A discussão que está em jogo envolve a tênue fronteira entre o fim da liberdade de expressão, garantida pelo artigo 5º da Constituição, e o início do dano moral. “O limite vai até onde afeta a reputação, a imagem e a marca de uma pessoa física ou jurídica”, diz Alexandre Atheniense, presidente da Comissão de Tecnologia da Informação da Ordem dos Advogados do Brasil.

O problema é que esta linha não está demarcada na legislação. “Na ausência de lei, o juiz acaba decidindo de acordo com suas convicções pessoais. Esse é o pior dos mundos”, afirma Ronaldo Lemos, diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Faculdade Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, e do Creative Commons, ONG que defende um modelo mais flexível de direitos autorais. É a máxima de cada cabeça uma sentença.

No Brasil, uma das primeiras tentativas de criar uma legislação específica para a internet é o projeto de lei relatado pelo senador Eduardo Azeredo (PSBDMG), que qualifica os crimes cibernéticos. A proposta, de 2005, está em tramitação no Senado. “A questão é que, antes mesmo de resolver os direitos civis dos usuários, ele pretende criar uma legislação criminal. Direito criminal deve ser considerado como última instância, quando tudo mais falha”, diz Lemos.

Nos Estados Unidos, um blogueiro só se torna responsável por um conteúdo postado em seu blog se for notificado previamente e não tomar as providências para removê-lo. “É uma forma de equilibrar o interesse de quem teve seus direitos violados e ao mesmo tempo proteger o blogueiro contra ações judiciais, tornando os limites de sua responsabilidade claros”, diz ele. Os blogueiros americanos sofrem ação judicial por difamação, invasão da privacidade e infração a direitos autorais. Em 2007, segundo o “The Wall Street Journal”, houve 106 processos civis contra blogueiros e participantes de redes sociais e fóruns online no país. Em 2003, foram apenas 12. Há muitos casos de condenação, com valores estratosféricos de indenizações, que chegam a US$ 17,4 milhões. Um contraponto ao projeto de lei de Azeredo é a proposta Marco Civil da Internet que o Ministério da Justiça prepara.

De acordo com Guilherme Almeida, coordenador dos trabalhos, por conta do vácuo atual, as decisões da Justiça acabam ferindo o espírito da rede. Como exemplo, ele cita o caso do vídeo da apresentadora Daniella Cicarelli, flagrada namorando em uma praia da Espanha. A decisão bloqueou o acesso a todos os usuários, no Brasil, de um serviço internacional. “Estamos tentando construir um conjunto de regras que possam permitir que as decisões sejam justas e não prejudiquem a natureza da internet”, diz ele.

Para o sociólogo Sérgio Amadeu, defensor do software livre, há pontos que precisam ser regulamentados, como a punição a um blogueiro por comentários de terceiros. “Isso não é correto”, afirma Amadeu. Foi o que aconteceu com o estudante de jornalismo Emílio Moreno, 33 anos. Por conta de um comentário anônimo em seu blog, o Liberdade Digital, ele foi condenado a pagar R$ 16 mil de indenização. O post era sobre uma briga entre alunos do Colégio Santa Cecília, em Fortaleza, no Ceará, e o comentário insultava Eulália Maria Wanderley de Lima, diretora da instituição, que iniciou uma ação por danos morais contra Moreno. A diretora faltou às quatro primeiras audiências e Moreno à última. Por isso, perdeu o prazo para recorrer e terminou condenado. Como o valor de R$ 16 mil era bem além das possibilidades do estudante, a indenização terminou fixada em R$ 5,5 mil. “Desde o primeiro contato do advogado, retirei o comentário do ar e tentei fazer um acordo, com retratação e pedido de desculpas públicas. Mas em nenhum momento consegui acesso à diretora”, afirma Moreno.

“O comentário chamava- a de irresponsável, sem palavrão ou ofensa pesada. Apaguei assim que o vi, mas ela se sentiu ofendida”, diz. Boa parte das contendas não precisaria ir para a Justiça. “Eu sempre recomendo conversar antes”, afirma Cynthia Semíramis, professora de direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “É melhor esclarecer a situação diretamente e evitar ruído.

”O casal Larissa Paschoal, 24 anos, e Rodrigo Martins, 27, tenta chegar a um acordo com a Di Roma Chocolates. Eles mantêm o blog Desencalhamos, no qual contam os preparativos para a festa de casamento deles. No dia 11 de dezembro, Larissa recebeu telefonema do advogado da doceria, cujos doces são avaliados em um post. “Ele me ligou dizendo para tirá-lo do ar, porque falava mal deles e atrapalhava o negócio”, diz ela, que o apagou. “Se o post relatasse um problema de atendimento, tudo bem. Mas questionava a qualidade do produto. Por isso, solicitamos que fosse retirado do ar”, explica Henrique Bittencourt, do marketing da Di Roma. A advogada do casal, lávia Penido, pretende propor um acordo: o post voltaria ao blog junto com o direito de resposta da Di Roma. Esta foi a solução encontrada por Flávia para outro caso semelhante.

Um texto publicado no Resenha em 6, um blog de opinião sobre produtos e serviços, provocou grande celeuma na blogosfera. Os autores escreveram um post criticando o serviço e o chope do Boteco São Bento, em São Paulo. Uma resposta agressiva assinada como sendo da gerência da empresa causou uma onda de reações de blogueiros, com mais de mil comentários. O bar mandou uma notificação extrajudicial exigindo a retirada do texto original da internet. “Nossa advogada chegou a um acordo para que colocássemos o post de novo no ar, com um direito de resposta do bar e nosso compromisso de remover os comentários que eles acusarem como falsos”, diz Juliano Barreto, um dos autores do blog.

Enquanto não existe um norte jurídico, há blogueiros considerando a possibilidade de criar uma entidade nos moldes da Electronic Frontier Foundation, que reúne fundos para defender causas que podem virar jurisprudência a favor da liberdade de expressão nos Estados Unidos. “Muitos blogueiros não conhecem seus direitos. Ser processado é chato, mas não é um bicho de sete cabeças. Se estiver com a razão, você não pode ser submisso a uma intimidação judicial”, afirma o editor de blog Alessandro Martins, que está envolvido na discussão dos moldes da futura associação. “No Brasil, parece ser a forma mais viável e producente de criar uma jurisprudência. É preciso garantir os direitos das pessoas.”

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