O ODS 14 estabelecido pela ONU, “Proteger a Vida Marinha”, é frequentemente citado como o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável que recebe o menor montante de financiamento. Associar a conservação da natureza ao ambiente marinho e ajudar a sociedade a compreender a importância crítica do oceano - e a cuidar dele - é o objetivo da "cultura oceânica". O conceito foi destacado pelas Nações Unidas, em 2017, para descrever a compreensão individual e coletiva da importância do oceano para a humanidade. A educação e a comunicação são dois caminhos fundamentais para conscientizar pessoas de todas as idades e estratos sociais sobre o quanto suas vidas sofrem influência oceânica e como os mares podem ser incorporados em ações e decisões individuais, mesmo a quilômetros de distância do litoral. A educação formal ou informal, por meio de conteúdos acessíveis e transversais e metodologias e linguagem adequadas ao repasse da informação a cada público, é capaz de transformar a relação de cada pessoa com o oceano. Não falamos da necessidade de letrar apenas crianças e adolescentes em idade escolar. Entretanto, considerando a educação formal nas escolas, mesmo não existindo disciplinas específicas relacionadas ao oceano, há um movimento para que o tema esteja mais presente no currículo escolar. A rede All-Atlantic Blue School reúne 20 países do Atlântico no projeto Escola Azul, com mais de 600 escolas que adotaram a educação oceânica em seus currículos, envolvendo 4.500 professores e mais de 200 mil estudantes.
No Brasil, 320 escolas em 20 estados já estão cadastradas. Santos, no litoral paulista, foi o primeiro município do mundo a criar uma lei para incluir o oceano no currículo escolar. Embora seja mais desafiador tratar sobre o mar em localidades distantes da costa, esse deve ser um exercício em todas as regiões do país. Globalmente, o Dia Mundial do Oceano para as Escolas trabalha com quase 8.000 escolas em 76 países para ajudar a inspirar as crianças a tornarem-se defensoras do oceano. A iniciativa disponibiliza planos de aula e vídeos em português, francês, espanhol, italiano e inglês e, em 2024, firmou parceria com a All-Atlantic Blue para distribuição de materiais em escolas brasileiras.O artigo “Oceano como tema interdisciplinar na educação básica brasileira”, de um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo e Universidade Federal do ABC, mostrou que, pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), é possível trabalhar as ciências oceânicas de múltiplas formas, transitando em todas as dimensões do conhecimento. A pesquisa traz exemplos em que um estudante com pensamento sistêmico pode compreender que a perda de uma espécie marinha ou um impacto sobre ela pode desequilibrar todas as cadeias alimentares, alterar o funcionamento de ecossistemas e até afetar o clima do planeta. E, nesse contexto, ainda correlacionar com a localidade onde vive.
Paralelamente, a comunicação para promover a cultura oceânica também é um movimento crescente. Investigação promovida pela Fundação Calouste Gulbenkian, instituição internacional com sede em Lisboa, Portugal, descobriu que subjacente a todos os problemas que o oceano enfrenta estava a falta de compreensão sobre a razão pela qual o oceano é importante. A partir da compreensão vem a preocupação e, quando as pessoas se sentem mais conectadas a um problema, é mais provável que ajam. Organizações da sociedade civil, a ONU e cientistas de todo o mundo têm reconhecido cada vez mais a importância de facilitar a compreensão da ciência oceânica pelo público. Há mais de uma década, a Fundação Gulbenkian investe nas comunicações oceânicas em Portugal, Reino Unido e fora da Europa, apoiando a sociedade civil e os contadores de histórias sobre o oceano a melhorar a forma como falam sobre o ambiente marinho e a transmitir a importância de protegê-lo - especialmente, para além da bolha dos ambientalistas e cientistas. O recente filme “What the Ocean Reveals About Us” (O que o oceano revela sobre nós), da BBC StoryWorks, financiado pela Fundação Gulbenkian, destaca a dependência e a profunda ligação da humanidade com o oceano. Destinado ao público on-line mais jovem e mais velho, o filme usa técnicas de comunicação de "melhores práticas" para ajudá-los a se sentirem conectados e a compreenderem melhor as questões oceânicas, como o uso de metáforas, evitando estatísticas e apresentando histórias reais de experiências oceânicas de pessoas do Reino Unido e Portugal.
O engajamento, inclusive, foi um dos temas em pauta no 4º Diálogo das Fundações, evento realizado em setembro, no Rio de Janeiro (RJ), com a participação de cerca de 30 instituições filantrópicas globais para traçar ações a favor dos mares. Seja na educação, na comunicação ou na pesquisa científica, acelerar a conservação do oceano é extremamente importante. A ciência é clara, mas precisamos que toda a sociedade global reconheça e valorize o oceano como essencial para o nosso futuro e para a saúde do nosso planeta hoje. Precisamos cada vez mais promover uma cultura oceânica amigável, não apenas para divulgar o conhecimento sobre os mares, mas também para incentivar governos, tomadores de decisão, empresas, investidores e cidadãos a tomarem medidas em nível local e global em busca de mudanças positivas significativas.
Fabio Eon é coordenador de Ciências Naturais e Ciências Humanas e Sociais da UNESCO no Brasil.
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