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Herdeiros têm direito a ganhos econômicos de bens virtuais de um falecido, mas acesso às informações deve ser controlado



A tecnologia tem modernizado e transformado o direito nas mais diversas áreas, inclusive no que diz respeito ao Direito das Famílias e das Sucessões e na sua interface com outros ramos do Direito. A exemplo disso, uma das questões que mais tem gerado dúvidas e levantado polêmicas é relacionada à herança digital, ou seja, todo o conjunto de bens e ativos digitais que pertencia ao falecido, como redes sociais, blogs e sites, domínios de sites, mensagens de e-mails, contas em sites e aplicativos, milhagens, criptomoedas, assinaturas digitais, entre outros, em função da popularização dessa atividade, muitas vezes geradora de polpudas quantias de dinheiro. O que, afinal, deve acontecer com esse tipo de bem de uma pessoa falecida?

Em primeiro lugar, é importante sinalizar que a herança é um conjunto de bens e direitos aferíveis economicamente. Para ser objeto de partilha, é preciso que o bem tenha importância econômica. Nesse caso, não se enquadrariam perfis em redes sociais ou contas de e-mails de anônimos sem qualquer ganho econômico, uma vez que a pessoa não é efetivamente proprietária do perfil. A questão, porém, torna-se mais complexa ao se levar em consideração que a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) incide sobre essas questões. O Facebook, desde 2015, já possui uma opção de indicação de perfil herdeiro, que ficará responsável pela página no caso de falecimento do titular. Ainda assim, a questão oferece entendimentos diversos, com decisões diversas em casos que chegaram à Justiça.

Mas o que deve ser levado em consideração são os perfis e bens que efetivamente geram ganhos. Nessas situações, é preciso observar a propriedade intelectual de obras, como músicas, filmes e livros. Os direitos sobre as músicas da cantora Marilia Mendonça, por exemplo, serão transferidos ao seu herdeiro, e os ganhos obtidos pelas reproduções em plataformas de streaming serão destinados aos seus herdeiros, no caso, o filho (sendo menor de idade, a administração desses bens ficará a cargo de seu representante legal). Isso inclui tanto as músicas da autoria da cantora falecida, quanto todas as reproduções de suas gravações e de outros trabalhos artísticos.

Para além disso, no caso de canais, programas ou qualquer outra atividade em plataformas digitais, é preciso verificar se esta é uma marca devidamente registrada. Se sim, os direitos transmitem-se aos herdeiros de seu titular. Foi o que acontece em relação ao direito de utilização do nome Legião Urbana, cuja utilização por parte dos antigos integrantes da banda foi vetada pelo filho de Renato Russo, Giuliano Manfredini. Caso o registro não tenha sido devidamente feito, a titularidade poderá ser discutida judicialmente.

É preciso ressaltar que, ainda que as plataformas não liberem o acesso a uma determinada rede social, os ganhos econômicos correspondentes aos perfis dos falecidos devem ser recebidos pelos herdeiros, já que são eles os novos titulares da propriedade intelectual. Isso se aplica a todos que possuem blogs, sites e outros ativos que gerem ganhos econômicos.

Por outro lado, as regras sobre lucros provenientes de jogos e bens digitais presentes nas diferentes redes sociais podem ser diversas. Cada plataforma possui a sua própria política em relação a esse tema. No caso do TikTok, por exemplo, as moedas virtuais e outros ativos digitais da rede social não constituem propriedade nem são transferíveis por morte ou pela lei. No caso das criptomoedas, não há qualquer regulamentação e pairam muitas dúvidas sobre o tema.

Embora haja tentativas de regulamentação do tema, ainda não há uma definição legal sobre a destinação de perfis e outros pontos polêmicos. Atualmente, o PL 3.050/2020 tramita na Câmara dos Deputados e aguarda a análise por parte das Comissões. Da mesma forma, se encontra o PL 6.468/2019 atualmente em tramitação no Senado Federal. Outros Projetos de Lei que buscavam regular o assunto por meio do Código de Processo Civil e do Marco Legal da Internet acabaram sendo englobados a outros ou arquivados, como a PL 1.689/21, que previa que todas as contas em redes sociais poderiam ser controladas pelos herdeiros a partir da mera apresentação do atestado de óbito. Nesse caso, não se pode ignorar que poderia haver lesão ao direito à privacidade e à intransmissibilidade dos dados pessoais, assim como uma transmissão de bens sem o devido inventário.

Por se tratar de matéria relativamente nova, ainda há a necessidade de se aprofundar a discussão sobre o tema, a fim de que se chegue a um entendimento sólido sobre a transmissão dos bens digitais, especialmente diante do conflito que isso pode gerar em relação aos direitos à privacidade ou aos direitos das plataformas sobre os perfis nelas disponíveis. Na falta de um tratamento uniforme sobre a questão, é preciso verificar cada caso para se entender em quais hipóteses poderia haver a transmissão da titularidade aos herdeiros em relação aos bens virtuais da pessoa falecida.

Da mesma forma, a garantia de transmissão dos direitos econômicos aos herdeiros, considerando a monetização das plataformas, também é necessária, mas de maneira clara, considerando as atuais políticas de cada uma delas, sob pena de novas dúvidas e confusões surgirem, trazendo ainda mais insegurança ao assunto. 

* Felipe Matte Russomanno é advogado da área do Direito de Família e Sucessões do Cescon Barrieu Advogados

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