Especialista em Comportamento, a psicanalista Fabiana Guntovitch alerta para a quebra do tempo natural de desenvolvimento.
Nos últimos meses, uma tendência curiosa tomou conta das redes sociais: adultos posando com chupetas em vídeos e fotos. Para alguns, é apenas uma brincadeira enquanto, para outros, a atitude manifestava uma forma de se acalmar ou se expressar. Mas, segundo a psicanalista Fabiana Guntovitch, o fenômeno revela algo mais profundo. “Quando adultos usam símbolos tão ligados à primeira infância, como a chupeta, estamos vendo um movimento de regressão. É uma tentativa de lidar com pressões emocionais por meio de comportamentos que remetem ao conforto e à segurança de fases mais iniciais da vida”, explica.
A especialista lembra que a psicanálise já descreveu esse processo. Freud falava sobre a “regressão” como uma forma de buscar alívio diante da pressão. Winnicott, por sua vez, apontava que objetos como a chupeta, nos bebês, ajudam a lidar com a ausência e a ansiedade — e que, em adultos, podem reaparecer como recurso de autorregulação. Segundo Fabiana, por trás da estética divertida, há um pedido silencioso. “Para muitos, usar um objeto infantil é uma forma de dizer: ‘estou cansado de ser adulto o tempo todo’. É como buscar, simbolicamente, o colo que a vida adulta nem sempre oferece”, detalha a especialista.
No sentido inverso, mas com danos semelhantes, Fabiana ainda observa o crescimento da adultização infantil: crianças usando salto alto, maquiagens elaboradas, reproduzindo coreografias sensuais e sendo expostas a padrões estéticos irreais. Além disso, muitas acabam assumindo responsabilidades emocionais e práticas que não condizem com a idade. “Quando uma criança é empurrada para papéis adultos, ela constrói um ‘falso self’ — uma camada de funcionamento que parece madura, mas encobre fragilidades não elaboradas. Esse amadurecimento forçado cobra um preço alto na adolescência e na vida adulta”, alerta a psicanalista.
Apesar de parecerem opostos, infantilização de adultos e adultização de crianças têm uma raiz comum: a quebra do tempo natural de desenvolvimento. “No primeiro caso, o adulto volta atrás na tentativa de aliviar tensões. No segundo, a criança é empurrada para frente, sem ter completado etapas essenciais. Em ambos, há sofrimento e perda de algo fundamental: viver plenamente cada fase da vida”, afirma Fabiana.
Para a especialista, a cultura contemporânea alimenta esses dois movimentos e pode trazer consequências profundas para os indivíduos. “Vivemos num paradoxo. Glamourizamos a maturidade precoce das crianças e, ao mesmo tempo, estetizamos a regressão dos adultos. Isso embaralha papéis e fragiliza a função de contenção dos mais velhos, enquanto rouba das crianças o direito ao tempo protegido de ser criança”, pontua ela. “Adultos fragilizados encontram mais dificuldade para sustentar funções parentais consistentes. Crianças adultizadas, por sua vez, crescem com menos espaço para experimentar, errar e se desenvolver emocionalmente. É um ciclo que se retroalimenta e atravessa gerações”, completa Fabiana, que reconhece que o desafio está em resgatar o valor simbólico de cada etapa da vida. “Precisamos permitir que crianças sejam crianças, com espaço para brincar e fantasiar, e que adultos sejam adultos, capazes de sustentar responsabilidades, mas também de criar espaços saudáveis de descanso e cuidado”, afirma ela.






















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