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Vício em internet já é comparado a dependência química



Anderson* é um adolescente normal como qualquer outro. Ele passou a ter problemas na escola, seu desempenho estudantil não era dos melhores e por causa disso procurou a evitar o colégio. Não usava a saúde, desculpa clássica para evitar as aulas, para fugir dos recorrentes fracassos. Ele escolheu outro caminho, o virtual. Foi no ciberespaço que ele encontrou um jeito de evitar as conseqüências do mau desempenho na escola. Lá ninguém o julgava ou o cobrava por nada. Esse meio tão aconchegante se transformou na fuga de Anderson. Mais tarde, esse foi o tormento em sua vida e de sua família.

Esse é um exemplo clássico identificado por psicólogos que tratam os viciados em Internet. Ou seja, a pessoa usa a rede mundial para suprir uma carência que tem na vida real. O vício em Internet nasce, na esmagadora maioria das vezes, assim. Não há nenhuma pesquisa brasileira sobre o tema, mas um levantamento realizado pela Universidade La Salle, nos Estados Unidos, estimou em 50 milhões o número de viciados em Internet. De acordo com o Internet World Stats, 1,3 bilhão de pessoas usam Internet no mundo todo.

Anderson passou a freqüentar Lan Houses onde varava noites acordado. Quando dormia, era picado e sobre o teclado. A alimentação e higiene passaram a ser sistematicamente negligenciados e os amigos que tinha na vida real eram ignorados. Somente os amigos virtuais tinham alguma relevância na sua precária vida social. O problema escolar se agravou e o desespero da família também, sobretudo porque o rapaz ficava arredio quando era impedido de usar o computador.

"Quem passa por esse problema geralmente fica agressivo, briga com os pais e fica realmente atormentado quando está sem o computador", afirma a psicóloga Sylvia Van Enck Meira, voluntária da equipe do AMITI (Ambulatório dos Transtornos do Impulso) do Hospital das Clínicas. O hospital já tem uma equipe que presta assistência a pessoas viciadas em Internet. O tratamento tem diversas etapas e é multidisciplinar. Os pacientes passam por avaliações que irão nortear a abordagem usada para tratar o problema. Há casos em que o viciado é tratado individualmente ou em grupo, a depender da gravidade da situação.

Na opinião de Sylvia, as mesmas motivações que levam alguém a se drogar podem levá-lo ao vício no ciberespaço. "A maioria é formada por pessoas sem perspectiva de futuro que acabaram por se envolver com isso", diz ela. A médica revela que os casos não têm exatamente um perfil fixo. Há atendimentos para adolescentes, adultos e até idosos viciados em Internet. Os interessados em procurar ajuda no Hospital das Clínicas podem fazer isso de duas formas: por meio da página específica montada pelo hospital ou pelo telefone 11- 3069-6975.

Como identificar?

No mundo corporativo contemporâneo, o acesso à Internet é praticamente fundamental e muitos profissionais passam quase todo o tempo em que estão no escritório conectados à rede. Isso não faz de ninguém um viciado. "Há profissionais que passam o dia na rede. Um webdesigner pode ficar 14 horas na rede por causa do trabalho. O que determina o vício é a qualidade de uso. ? possível diagnosticar o vício com base na repetição do uso. Por exemplo, uma pessoa fica três horas conectada e usa, o Orkut, o MSN, checa e-mails, lê notícias e pesquisa temas. ? diferente de alguém que fica três horas conectado e só acessa sites de sexo em busca de possíveis parceiros sexuais ou conteúdos desse tipo", explica a psicóloga Andréa Jotta, pesquisadora do NPPI (Núcleo de Pesquisa da Psicologia em Informática) da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).

O NPPI tem um sistema on-line de atendimento para viciados em Internet. Quem tiver interesse em buscar a orientação dada pelo núcleo pode entrar em contato pelo endereço eletrônico nppi@pucsp.br. Andréa diz que o padrão baseado no tempo de conexão já não é tão utilizado para se configurar o vício justamente em função das demandas profissionais e da qualidade de uso. Tanto ela quanto Sylvia dizem que o viciado é identificado quando o uso da rede passa a ser feito em detrimento dos compromissos que a pessoa tem na vida real. "O referencial é esse, a pessoa deixa de fazer as coisas na vida dela para ficar na Internet. Deixa de cuidar da vida social, do trabalho, dos estudos, em função da rede. Ou seja, o uso que faz da Internet é abusivo e compromete a vida", resume Sylvia.

De acordo com Andréa, o modus operandi do viciado varia um pouco de acordo com o perfil da pessoa. Homens tendem a procurar parceiras sexuais e gastam muito tempo em sites com conteúdo erótico. Por outro lado, as mulheres tendem a procurar sites de relacionamentos, como o Orkut, e gastam muito tempo em salas de bate-papo ou usam muito softwares de conversas instantâneas, como o MSN.

Sylvia afirma que o vício em Internet pode ser a porta para outros vícios. "Abre a possibilidade para uso de drogas, ou para o aumento do uso em quem já consumia. Alguns se utilizam delas para se manter acordado, usam energéticos", declara ela. Sylvia diz ainda que a alimentação empobrecida dos viciados também é um fator de risco e o início de um ciclo vicioso. "Vemos casos de pessoas que se tornam obesas pela alimentação precária aliada à falta de movimentação. Essas pessoas passam a ter a auto-imagem comprometida, não querem correr o risco de se expor em público e nem de se relacionar fora do ambiente virtual. Têm vários amigos no Internet e nenhum fora. Os viciados se isolam, perdem emprego, imaginam que não serão mais aceitos e aí buscam cada vez mais conforto na Internet", alerta Sylvia.

Existem formas diferentes de abordar o viciado. O consenso é que a conversa é sempre a melhor maneira de iniciar uma aproximação e assim, tentar demonstrar para o viciado os malefícios de sua atitude. Andréa recomenda que, no caso dos adolescentes, os país façam valer sua autoridade. "Cabe aos pais o controle. Em princípio você pode dialogar, mas se chegar a uma situação extrema, é preciso impor a autoridade", recomenda ela. Mas por autoridade, não leia-se radicalismos. Sylvia lembra que um de seus pacientes sofreu de uma espécie de síndrome de abstinência quando foi proibido pelos pais de usar o computador. Arredio, buscou acesso na casa de amigos e por fim, passou a vender objetos de casa para poder financiar sua permanência em Lan Houses.

Para os adultos, Andréa recomenda muita conversa e em último caso a busca por ajuda especializada. "? preciso conversar porque muitas vezes o adulto não se dá conta do problema que atravessa. Mas é preciso insistir, envolver outras pessoas da família e conversar muito. Se depois de tudo isso o problema não for resolvido, busque ajuda médica", recomenda ela.
* Nome fictício

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