Durante um período de nossa história, muitos artistas brasileiros retrataram a dor do migrante em obras primas das mais diversas. O famoso quadro “Retirantes”, do renomado pintor paulista Candido Portinari, e a obra literária “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, eternizaram a realidade de muitos que enfrentaram a fome e a violência. Mas, quase um século depois, poderíamos dizer que esta realidade é apenas um recorte específico de nosso passado e deve ser lembrada de forma nostálgica como um período superado? O mundo moderno nos trouxe novas tecnologias e com elas a possibilidade de evitar que a fome e o sofrimento façam parte da vida. Porém, em um país onde praticamente 10% da população vive a margem da pobreza extrema, não seria correto acreditar que eliminamos definitivamente esta realidade.
Então, por que não vemos mais notícias que relatam migrações em massa e pessoas carregando seus filhos em estradas, morrendo de fome ou sede pelos caminhos? Uma das hipóteses que podemos explorar é que a migração se tornou um negócio na nova sociedade e que acontece de maneira mais organizada, sem que seja percebida, mas enfrentando muitos dos problemas vividos em meados do século passado. Os migrantes, e até mesmo imigrantes internacionais, muitas vezes refugiados, não caminham mais em estradas sob o sol escaldante, mas ainda chegam às grandes cidades e acabam explorados, quando não viram moradores de rua ou se envolvem na criminalidade para poder conseguir o que comer. É como se existisse um muro que separasse a realidade de uma parcela da sociedade que decide se aceita ou não a inclusão de novos membros.
Observados o passado e o presente, fica o questionamento sobre o futuro. No meu novo livro “Retirantes: O Legado das Sombras”, crio uma história distópica e apresento uma família que enfrenta a fome, o medo e a violência para vencer as barreiras que os impedem de fazer parte da sonhada sociedade em que a vida é digna e abundante. Ao colocar em palavras o individualismo e o preconceito inserido no subconsciente de cada um, torço para estar enganado: que o futuro nos surpreenda com uma realidade diferente da que prevejo na obra e que sejamos capazes de ver para além dos espelhos.
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