Uma brasileira de 30 anos denunciou ter sofrido uma tentativa de estupro após a TAP cancelar um voo de Paris para Lisboa, no fim de maio, e oferecer hospedagem em quarto compartilhado com um homem desconhecido. Durante a madrugada, ela acordou com o indivíduo sobre seu corpo, tentando violentá-la. O episódio, já investigado pelas autoridades, expõe não apenas a falha grave da companhia aérea, mas também o peso da violência de gênero em contextos de vulnerabilidade criados por instituições que negligenciam a segurança de mulheres. O caso da passageira brasileira em voo da TAP evidencia não apenas uma falha de responsabilidade civil da companhia aérea, mas também a gravidade de um crime de estupro consumado, conforme previsto no art. 213 do Código Penal. Isso porque, após a alteração legislativa de 2009, o estupro passou a englobar qualquer ato libidinoso praticado contra a vontade da vítima, não sendo mais exigida a conjunção carnal. Ao se despir e beijar a vítima sem consentimento, o agressor consumou o crime.
A resistência da mulher impediu a escalada da violência, mas não descaracteriza a consumação: o direito penal brasileiro protege a liberdade sexual desde o momento em que há violação da dignidade corporal e psicológica da vítima. Sob a perspectiva de gênero, o episódio explicita o risco acrescido ao qual mulheres são expostas quando instituições falham em adotar protocolos sensíveis às desigualdades estruturais. Ao impor a uma passageira o compartilhamento de quarto com um homem desconhecido, a TAP não apenas negligenciou a segurança de sua cliente, mas criou as condições objetivas para que a violência acontecesse. Isso configura uma forma de violência institucional, na medida em que a própria estrutura da companhia, ao não respeitar as necessidades específicas de proteção das mulheres, contribuiu para a ocorrência do crime.
Esse caso também deve ser analisado à luz da Convenção de Belém do Pará, ratificada pelo Brasil e por Portugal, que impõe o dever de prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher. Não basta responsabilizar apenas o agressor: é necessário que empresas de transporte internacional revejam seus protocolos para que situações como essa jamais se repitam. Assim, a reparação judicial deve se dar em duas frentes: a penal, responsabilizando o agressor pelo estupro consumado; e a civil, obrigando a companhia aérea a indenizar a vítima pelos danos morais e materiais decorrentes da exposição ao risco e pela omissão em adotar medidas de proteção adequadas.Mais do que um caso individual, o episódio é sintomático da negligência institucional diante da violência de gênero. A coragem da passageira em denunciar deve ser um marco para exigir mudanças estruturais e reforçar que a integridade sexual das mulheres não é negociável.
*Mayra Cardozo é terapeuta e advogada especialista em gênero e sócia do escritório Martins Cardozo Advogados
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