Considerada por muitos fãs e estudiosos como uma das músicas mais tristes da Legião Urbana, “Clarice” revela não apenas a história fictícia de uma jovem violentada, mas também os dilemas mais íntimos de Renato Russo em seus últimos anos de vida. O vídeo “Júlio Ettore: 'CLARICE': a triste história de uma garota VIOLENTADA que poucos conhecem (Legião Urbana)” revisita essa obra e detalha sua complexidade lírica e emocional.
A evolução da letra
Renato Russo tinha um método peculiar de composição, comparado a um jogo de “lego”: ele escrevia versos, desmontava e remontava, até alcançar o formato definitivo. “Clarice”, inicialmente intitulada “O Livro dos Dias”, passou por diversas alterações. Um manuscrito de junho de 1995 revela essa versão preliminar, com versos que seriam descartados, mas já contendo a essência da canção.
O significado de “Clarice”
Na letra, Clarice é uma garota de 14 anos que sofre violência sexual e se autoflagela. Contudo, o personagem vai além da ficção: Renato utilizou a narrativa para falar sobre a violência contra meninas, mulheres e, de forma implícita, sobre ele mesmo.
O verso “estou cansado de ser vilipendiado” — palavra que significa ser humilhado, destratado — revela o peso que Renato carregava em relação às expectativas dos fãs, da mídia e da própria indústria musical. Ele se sentia aprisionado, como um “pássaro trancado na gaiola”, obrigado a cantar como antes, mesmo quando sua vida pessoal e sua saúde estavam fragilizadas.
O processo de gravação
Em outubro de 1995, Renato mostrou uma demo da canção ao jornalista Marcelo Fróes. A gravação final ocorreu em 1996, durante as sessões de “A Tempestade”. Musicalmente, o registro é marcado pela simplicidade e intensidade: Renato gravou os dois violões, enquanto Carlos Trilha cuidou do teclado e do contrabaixo eletrônico.
Com mais de 10 minutos de duração, “Clarice” foi construída a partir de um loop de acordes, sobre o qual Renato inseriu sua interpretação vocal. Segundo relatos de Dado Villa-Lobos, a voz de Renato soava frágil, quase chorando. O cantor recusou-se a regravar, por entender que aquela entrega emocional bruta era parte essencial da mensagem.
Por que “Clarice” ficou de fora de A Tempestade
Apesar da força da canção, Renato decidiu que ela não deveria integrar o álbum “A Tempestade”. Em sua última entrevista presencial, concedida em julho de 1996 a Marcelo Fróes, explicou que lançar a faixa seria “uma sacanagem” num país sem afirmação cultural, em crise, e que poderia afetar de forma negativa seus ouvintes.
Dado Villa-Lobos reforça que havia o temor de que a música, de tão densa e triste, pudesse estimular a depressão e até o suicídio entre adolescentes. Assim, “Clarice” só seria lançada postumamente, em “Uma Outra Estação” (1997).
O adeus velado em versos
A canção encerra-se com a frase:
“um dia eu consigo resistir e vou voar pelo caminho mais bonito”.
A linha final permanece aberta a interpretações, mas muitos enxergam nela a ideia de que o “caminho mais bonito” seria a própria morte. Restou apenas a música, como testemunho da dor, da fragilidade e da profundidade de Renato Russo em sua fase mais sombria.
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