Com preços elevados, negócios apostam em criatividade e afeto para manter vendas
A Páscoa de 2025 chegou envolta
em um cenário atípico e desafiador para quem vive do chocolate. Com o preço do cacau
batendo recordes históricos no mercado internacional, pequenos produtores e
confeitarias artesanais tiveram que se reinventar para manter suas vendas — e
os consumidores também precisaram adaptar o bolso à realidade mais amarga do
chocolate nesta temporada.
A matéria-prima essencial na
produção dos ovos e bombons se tornou um dos produtos agrícolas mais
valorizados do mundo. A cotação da tonelada do cacau superou os 10 mil dólares
em março, após registrar sucessivas altas desde o ano passado. Segundo analistas
do setor, o
movimento é impulsionado principalmente por uma severa quebra de safra em dois
dos maiores países produtores do mundo: Gana e Costa do Marfim, que juntos
respondem por cerca de 60% da produção mundial.
Os efeitos dessa disparada já
foram sentidos no Brasil desde a Páscoa de 2024, quando o preço médio dos ovos
de chocolate subiu 9,5% em relação ao ano anterior, de acordo com a Fundação
Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). Em três anos, o aumento acumulado foi
de 43%. Em 2025, a situação se agravou, afetando diretamente tanto a indústria
quanto os negócios artesanais e os consumidores finais.
Mesmo assim, segundo pesquisa
da Abrasel, em comparação ao mesmo período do ano passado, 71% dos
empresários do setor de alimentação fora do lar esperam aumentar o faturamento
no feriado da Semana Santa.
Pequenos negócios se
reinventam para manter a qualidade
Em Salvador (BA), a Tortarelli —
confeitaria conhecida pela produção artesanal e afetiva de ovos de chocolate
recheados, trufas e bombons personalizados — enfrentou de frente o desafio.
Anna Patrícia Maia, sócia do negócio, revela que a alta do cacau exigiu muito
mais do que reajustes de preço: foi preciso repensar o portfólio, redesenhar
receitas e antecipar o planejamento com inteligência.
“Sem dúvida, a alta histórica do
preço do cacau nos desafiou bastante neste ano, especialmente no planejamento
da Páscoa, que é uma das datas mais importantes para a Tortarelli. Como uma
empresa de pequeno porte, tivemos que nos adaptar rapidamente, buscando
equilíbrio entre manter a qualidade que nossos clientes já conhecem e confiam,
e tornar os preços o mais acessíveis possível”, explica.
Uma das estratégias foi focar em
produtos de maior valor agregado, que entregassem mais do que sabor: uma
experiência afetiva. “Optamos por ajustar o nosso portfólio, focando em ovos
recheados e bombons artesanais, que entregam uma experiência única e justificam
o investimento. Também fizemos um planejamento de compras mais estratégico e
antecipado para tentar minimizar os impactos da oscilação dos preços.”
Ainda assim, ajustes foram
inevitáveis. “Sim, tivemos que fazer alguns ajustes, mas sempre com muito
cuidado para não comprometer a qualidade dos nossos produtos, que é o que
diferencia a Tortarelli. Reavaliamos preços em alguns itens, especialmente os que
levam mais chocolate na composição, mas tentamos ao máximo não repassar todo o
impacto ao cliente”, conta Anna Patrícia.
Uma das soluções encontradas foi
reformular algumas receitas, otimizando o uso do cacau sem comprometer sabor ou
textura. “Testamos com bastante rigor antes de lançar”, diz a empresária.
Também houve busca por novos fornecedores, não só de chocolate, mas de
embalagens e insumos, para manter a qualidade com custos mais equilibrados.
“Essa movimentação exigiu agilidade e flexibilidade, mas nos permitiu manter
nossa essência e seguir entregando doces que encantam.”
Outro grande desafio enfrentado
pelos pequenos negócios, segundo Anna, foi manter o padrão artesanal em meio ao
aumento do
custo dos insumos e à necessidade de manter preços competitivos. “É fácil
ceder à tentação de cortar custos em pontos que impactariam diretamente a
experiência do cliente — mas escolhemos seguir pelo caminho mais difícil, que é
encontrar soluções criativas sem abrir mão do nosso padrão.”
Consumo afetivo resiste à alta
de preços
Além da pressão nos bastidores da
produção, os negócios também precisaram observar com atenção o comportamento do
consumidor, que se mostrou mais cauteloso e seletivo em 2025. “O consumidor
está mais sensível ao valor das coisas. Então precisamos fazer contas, rever
processos, renegociar com fornecedores e até repensar o portfólio, tudo para
continuar oferecendo um produto que tenha qualidade e valor justo.”
E, apesar do cenário econômico
mais apertado, a resposta do público surpreendeu positivamente. “Mesmo com o
orçamento mais restrito, nossos clientes reconheceram o valor do trabalho
artesanal, da qualidade dos ingredientes e do cuidado em cada embalagem.
Tivemos um número significativo de encomendas personalizadas, o que mostra que,
mesmo com orçamento limitado, as pessoas não quiseram abrir mão de presentear
com significado.”
Esse movimento também foi
percebido entre consumidores de outros estados. Karla Santana, engenheira de
produção de Volta Redonda (RJ), contou que teve que priorizar os presentes este
ano. “Neste ano foi um pouquinho mais complicado de presentear todos os entes
queridos. Tive que selecionar quem eu iria presentear com ovos de Páscoa e quem
iria ganhar uma lembrancinha. Eu não sou uma pessoa que gosta muito de
chocolate, então quando fui ver os preços dos ovos, me surpreendi bastante”.
A fala de Karla resume o dilema
enfrentado por muitos consumidores em 2025: equilibrar afeto e orçamento. E,
para pequenos empreendedores como Anna, isso representa também uma oportunidade
de reforçar o vínculo com os clientes. “Foi um sinal claro de que o afeto ainda
é o ingrediente principal na escolha de um doce — e isso nos inspira a
continuar.”
Diante do cenário, a expectativa é que os aprendizados desta Páscoa contribuam para fortalecer ainda mais os negócios que apostam em criatividade, planejamento e conexão emocional. Como resume Anna: “Foi um desafio, mas também uma oportunidade de reafirmar nosso compromisso com a qualidade e com nossos clientes. Conseguimos manter o espírito da Páscoa vivo com muito sabor e afeto.”
Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil
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