Em 1968, o Brasil mergulhou no período mais sombrio de sua ditadura militar com a promulgação do Ato Institucional nº 5 (AI-5). O decreto marcou o início de uma fase de extrema repressão, e uma das suas consequências mais emblemáticas foi o cerceamento da liberdade de expressão, especialmente no campo da cultura. A partir do AI-5, todas as obras culturais passaram a depender de uma aprovação prévia do governo. Livros, filmes, peças teatrais e músicas só podiam circular com o aval da censura. Um verdadeiro exército de funcionários foi designado para analisar conteúdos e decidir se eles feriam ou não os padrões estabelecidos pelo regime. As justificativas para o veto iam desde “atentado à moral e aos bons costumes” até absurdos como “falta de gosto”.
Um dos exemplos mais notórios dessa repressão foi a música "Tiro ao Álvaro", do sambista paulistano Adoniran Barbosa. A canção foi censurada oficialmente por “falta de gosto”, conforme consta em documentos da época. O veto foi motivado pelo uso de palavras como “tauba”, “artomorve” e “revorve”, expressões marcadas pela oralidade popular. O que os censores ignoraram — ou desprezaram — é que Adoniran usava essas distorções linguísticas como recurso poético, uma forma de expressar com autenticidade a fala do povo paulistano das periferias. A intenção não era errar o português, mas valorizar a linguagem coloquial e dar voz a personagens urbanos marginalizados pela cultura elitista da época.
A censura da canção de Adoniran Barbosa simboliza não apenas a perseguição política e ideológica do regime, mas também o controle estético e o desprezo pela cultura popular. Artistas como Adoniran, que ousavam fugir dos padrões formais, acabavam vítimas de um sistema que, além de autoritário, era também excludente. Décadas depois, "Tiro ao Álvaro" é reconhecida como uma obra-prima do samba paulistano e exemplo da genialidade linguística de Adoniran. Já a censura da ditadura militar, hoje, é lembrada como uma das maiores afrontas à arte e à liberdade criativa da história brasileira.
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